A igreja evangélica brasileira cumpre um papel fundamental no atendimento à população socialmente vulnerável. É fácil constatar uma grande diversidade de escolas, universidades, hospitais, comunidades terapêuticas, escolas de música, entre outras iniciativas que tiveram sua origem ou são mantidas e administradas por igrejas evangélicas.
Existem muitos fatores importantes que precisam ser levados em consideração quando uma igreja decide atuar em causas de interesse público: vocação, recursos financeiros, capital humano (contratado ou voluntário), planejamento e outras coisas mais. No entanto, o que observamos é que, em sua maioria, a segurança jurídica e decisão pela natureza jurídica mais adequada para o desenvolvimento de projetos ficam deixados de lado quando deveriam ser analisados prioritariamente.
Muitas igrejas acabam executando seus projetos socioambientais utilizando sua própria personalidade jurídica (CNPJ), podendo se envolver em uma série de riscos jurídicos, como trabalhistas, tributários, cíveis, entre outros. Importante destacar também que as igrejas podem incorrer em acusação de desvio de finalidade, quando seus estatutos sociais não preveem as atividades executadas em projetos sociais, o que pode resultar na obrigação de devolução de recursos por parte de seus dirigentes à organização religiosa. Além disso, realizando seus projetos e contabilizando despesas no seu próprio CNPJ as igrejas podem deixar de usufruir de boas oportunidades de captação de recursos, em especial, aquelas recebidas mediante renúncias fiscais como Lei Rouanet, Lei de Incentivo ao Esporte, Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescentes, dentre outras.
O ideal é que projetos de interesse público, que atendem e coletividade, sejam realizados por organizações da sociedade civil (associações ou fundações) instituídas pela igreja, criando-se uma arquitetura de governança institucional em que a referida entidade tenha autonomia funcional, mas com certo controle da organização religiosa no acesso aos cargos diretivos, atos de gestão e assim por diante. Através disso, se potencializam as oportunidades de parcerias com o Poder Público, com a iniciativa privada e com outras organizações do Terceiro Setor, bem como a participação de espaços de discussão de políticas públicas que são decisivas para o bem estar da população, como Conselhos Municipais de Assistência Social, dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Saúde, dos Direitos do Idoso, etc.
Com a execução de iniciativas sociais por uma organização do Terceiro Setor ligada à igreja também é facilitada a implementação de ferramentas de gestão que, atualmente, são imprescindíveis ao sucesso de qualquer projeto, como planejamento estratégico, monitoramento e avaliação de resultados, gestão de comunicação, aplicação de processos de transparência e compliance.
Por fim, sugere-se com as ponderações aqui apresentadas que haja uma reflexão nas igrejas, no sentido de planejar seus projetos também sob a ótica jurídica, tanto a nível de riscos, quanto de oportunidades, o que garantirá segurança, boa gestão de recursos e perpetuação a longo prazo dos ideais cristãos de atendimento ao mais necessitados.